A grotesca excitação mediática para Lula na Cop27
Para os meus muitos amigos brasileiros reproduzo aqui, traduzido para português, o meu artigo publicado hoje em Tempi (https://www.tempi.it/lula-ambientalista-cop27)
O presidente eleito brasileiro Lula utilizou a conferência anual da ONU sobre o ambiente, Cop27, para fazer um comício eleitoral, aplaudido pelos meios de comunicação social italianos como nem sequer nos dias do Mussolini. No Corriere della Sera, que ontem intitulou "Estrela Lula no clima", a correspondente Sara Gandolfi descreveu-o mesmo como "uma velha estrela de rock que ainda enche estádios e não faz com que os rappers modernos se arrependam".
Tanta retórica para Lula, o ambientalista
Lula, lemos no Corriere, 'acordou os delegados, activistas e os media do torpor da conferência climática da ONU... saudado por gritos de júbilo e cânticos de vitória... deu o abanão que todos esperavam'. Continuando com o enaltecimento, Gandolfi informa-nos que a "Lulomania foi imediatamente desencadeada em Sharm el-Sheikh, com enxames de telemóveis prontos para levar uma fotografia e paredes de câmaras para imortalizar o momento ao vivo em todo o mundo". "O Brasil está de volta", foi o leitmotiv da sua primeira visita ao estrangeiro". O Bem que voltou "aqui foi capaz de marcar claramente a distância do anterior governo de "extrema-direita e negacionista", prometendo que irá "implacavelmente" combater crimes ambientais, lutar pela "desflorestação zero" e estabelecer um ministério para os povos indígenas".
Para o correspondente do Corriere, Lula é o ansiosamente esperado "líder dos países em desenvolvimento no actual cabo de guerra sobre o financiamento climático", pronto a preencher "o poço sem fundo da desigualdade entre ricos e pobres" e a "recolher o que foi prometido na Cop15, referindo-se ao fundo verde de 100 mil milhões de dólares por ano a que as nações industrializadas se comprometeram em 2009" porque "precisamos urgentemente de um mecanismo para financiar as "perdas e danos" dos países mais vulneráveis".
Lula já desmatou mais do que Bolsonaro
Por agora, os únicos dados corretos são estes: em 2003, o primeiro ano das suas duas presidências anteriores, o novo salvador do ambiente global desmatou algo como 25.396 quilómetros quadrados de Amazônia Legal (ou seja, protegida por lei), e ultrapassou-a no ano seguinte, atingindo o recorde de maior corte de floresta desde o início dos levantamentos por satélite em 1988, com cerca de 27.772 quilômetros quadrados de árvores abatidas. E para aqueles que têm vindo a defender a sua gestão desde 2009, quando a desflorestação realmente diminuiu, vale a pena recordar as causas. Mais do que aflições ecológicas, foi a crise econômica global que refreou o apetite internacional pela Amazônia. Até 2008, Lula (que deixaria então o poder no final de 2010) desmatou muito mais Amazônia Legal do que o tão injuriado Bolsonaro no período de três anos 2019-2021, como se pode ver aqui.
O marketing ecológico de Lula
Além disso, para além do marketing ecológico que Lula promove, se ele quer realmente fazer algo pelo pulmão verde do mundo, terá de implementar um sistema de controle dentro da gestão do seu partido na Amazónia, para evitar a repetição de escândalos como o de 2006, revelado pela revista Veja. Segundo o semanário brasileiro no estado do Pará, de facto, alguns membros e parlamentares do Partido dos Trabalhadores, o PT, ligado ao organismo público de controlo da flora e fauna, o Ibama, alegadamente, criaram uma conspiração criminosa na qual facilitaram o abate ilegal de árvores através da troca de donativos de campanha pelos candidatos do PT.
Ninguém se lembra hoje, mas em Junho de 2005 a Polícia Federal e o Ministério Público prenderam 102 pessoas no estado de Mato Grosso acusadas de terem derrubado quase 2 milhões de metros cúbicos de árvores em troca de subornos. Esta quantidade de madeira seria suficiente para carregar 66.000 camiões que, em linha, percorreriam 2.640 quilómetros, o equivalente à distância entre as cidades do Rio de Janeiro e Natal. O bando, que ficou conhecido como a 'máfia das térmitas', foi liderado por Hugo Werle, então diretor do Ibama em Cuiabá. Membro do conselho fiscal estatal do PT, Werle tinha sido um organizador não oficial da campanha de angariação de fundos da Lula.
E terminamos com uma nota, sobre investidores 'ambientalistas' internacionais. Entre os mais elogiados e críticos de Bolsonaro está a Noruega. Pequeno detalhe: até agora a multinacional mineira mais poluente da Amazónia, condenada em 2018, é a Hydro, cujo accionista maioritário é precisamente o ecologista governo de Oslo.
O Enviado do Papa também gosta de Lula
"Lula superstar, ainda que confinado pelo anfitrião egípcio numa sala que mal continha um quarto daqueles que o queriam ouvir, entre diplomatas estucados e nativos armados de penas", diz-nos Gandolfi, ignorando o facto de Al-Sisi ter suportado todas as despesas da gigantesca delegação brasileira, como admitiu o próprio PT, o partido da 'velha estrela do rock que não faz os rappers modernos lamentarem isso'.
O Corriere também nos esclarece sobre a satisfação de 'Virgílio Viana, membro da Pontifícia Academia de Ciências Sociais e diretor da Fundação Amazônia Sustentável, o homem que explica a Francisco o que está a acontecer na maior floresta tropical do planeta'. Nas suas palavras, Gandolfi relata, "Lula é o único que pode lidar com a rede de criminalidade que agora funciona sem perturbações na Amazónia, como faz a máfia". Finalmente, meu Deus, o que para o correspondente seria "a única mancha no primeiro passeio internacional triunfante do futuro presidente, a viagem do Brasil no jacto privado de um bilionário acusado de corrupção".
"O que for preciso para a silvicultura" do Lula.
"A vingança do Brasil. O grande regresso de Lula traz alguma esperança ao tumulto do Cop27", foi a manchete do jornal italiano Domani, que descreve como um "dote" de Lula o seu "o que quer que seja que a floresta leve" trazido a Sharm, ou seja, "a promessa de pôr fim a qualquer custo à desflorestação da Amazónia, que se desfez sob a presidência do Bolsonaro e está perto do seu ponto ecológico de não retorno". Ferdinando Cotugno informa-nos que "Lula quer fazer do Brasil um líder global na luta contra as alterações climáticas, invertendo a narrativa dos anos Bolsonaro, que o tinha transformado num estado ambientalista desleal".
Acrescenta ainda que "o novo presidente eleito não só pretende iniciar o processo interno de descarbonização, que para o Brasil envolve tirar a Amazónia do abismo onde se encontra agora, como também se apresentou como um dos líderes do Sul global e de todas as suas batalhas, com a ambição de se tornar um ponto de referência para o bloco dos vulneráveis, papel que até à data só a China de Xi Jinping tem sido capaz de desempenhar".
Na sua apologia desenfreada, Domani acrescenta que "nesta cimeira climática pobre em boas notícias e esperança, Lula trouxe um sentido do futuro que parecia perdido. "Ele é o Obama deste ano", comentou o correspondente do Times, Adam Vaughan". Cotugno faz questão de fazer saber aos seus leitores que mesmo no estrangeiro estão entusiasmados com o ecologista Lula e por isso, para não ser ultrapassado, escreve que "o discurso de Lula varreu o Cop27 como um furacão, o seu foi um dos discursos mais importantes alguma vez proferido numa conferência sobre alterações climáticas". E mais uma vez: 'Lula fez um discurso sublime e retórico, mas também entrou na questão viva das negociações que estão a desfazer Cop27', e depois conclui: 'O discurso de Lula galvaniza os países em desenvolvimento e coloca os EUA e a UE num canto'.
Cantos do estádio e muitas promessas bonitas
Viva Lula! De fato, "Lula superstar na Cop27. O Brasil está de volta, vamos salvar a Amazónia", como titula a Repubblica um artigo do correspondente Luca Fraioli, muito mais objetivo do que Gandolfi e Cotugno sobre o antigo prisioneiro por corrupção na versão 'salvador do planeta'. Para além do incipit descritivo - "num Cop órfão de Greta Thunberg e estrelas do mundo do espectáculo como Leonardo DiCaprio, a única verdadeira estrela é um homem de 77 anos saudado por coros de estádio: "olee, olee, olee, Lula, Lula..." - Fraioli limita-se a relatar as promessas do novo presidente, sem demasiada apologia digna mais da China de Xi do que de uma imprensa que afirma ser autoritária. Talvez o bom Fraioli tenha estudado o registo de Lula. Se Lula cumprir até 10% das suas promessas ambientalistas, será bom para o planeta.
O amigo corrupto que deu boleia a Lula
Quanto à "única toupeira" mencionada pelo correspondente do Corriere, então, alguns esclarecimentos devidos por qualquer pessoa que se chame jornalista. A primeira é a viagem no jato de 12 lugares utilizado por Lula, a sua esposa Janja e o provável futuro ministro da Economia do PT Fernando Haddad para ir à COP27 emitiu pelo menos 104 toneladas de CO2. Agora, calculando que mais de 400 jactos como o seu chegaram ao Egito nos dias de hoje, não parece ser a melhor ideia do mundo realizar uma cimeira deste tipo na Amazônia, daqui a três anos.
A segunda é que o empresário que deu a Lula o "elevador" no seu jacto privado, José Seripieri Filho, conhecido como Júnior, que ficou extremamente rico através de um seguro médico privado, foi preso por corrupção há dois anos no Brasil e só saiu por cooperar com a lei e devolver 200 milhões de reais, algo como 50 milhões de euros à taxa de câmbio da época, aos cofres públicos.
Amigo de longa data de Lula (e do seu vice-presidente Alckmin), foi o seu segundo maior doador de campanha na campanha eleitoral que trouxe o "salvador do planeta" de volta ao poder, tendo mesmo organizado um jantar pré-campanha para o PT com empresários em Junho, e convidado de honra no casamento de Lula e Janja em Maio. Dados os precedentes no Brasil, já há quem fale não por acaso de um Carbonão, um mega escândalo sobre os créditos de carbono amazónicos geridos por Lula que fará com que os maus procedimentos do PT, que ficaram na história e as crónicas judiciais como Mensalão e Petrolão, pareçam brincadeiras de criança.